Enquanto o Brasil debate uma possível anistia para Jair Bolsonaro e generais envolvidos em ataques à democracia entre 2022 e 2023, cresce o alerta entre juristas, historiadores e vítimas da repressão: perdoar golpistas é repetir os erros do passado e abrir espaço para novas ameaças ao Estado de Direito.
Em 1971, Esmeraldina Carvalho Cunha, uma dona de casa baiana, viu sua filha mais nova, Nilda, ser presa e torturada por agentes da ditadura militar brasileira. Determinada a encontrar e libertar a filha, Esmeraldina enfrentou o regime, denunciando publicamente as atrocidades cometidas pelo Estado. Sua luta incansável terminou tragicamente em 1972, quando foi encontrada morta em circunstâncias suspeitas, que a Comissão Nacional da Verdade atribuiu à repressão estatal.

Nilda Carvalho Cunha (1954-1971)
Aos 17 anos, Nilda fazia o curso secundário e trabalhava como bancária quando passou a militar no MR-8. Presa em agosto de 1971, em Salvador (BA), junto com Jaileno Sampaio, também militante, foi levada para o Quartel do Barbalho e, depois, para a Base Aérea de Salvador, onde foi torturada. Liberada no início de novembro, profundamente debilitada em conseqüência das torturas sofridas, morreu no mesmo mês, com sintomas de cegueira e asfixia. No seu prontuário constava que não comia, via pessoas dentro do quarto, sempre homens, soldados, e repetia incessantemente que ia morrer, que estava ficando roxa. A causa da morte nunca foi conhecida. O atestado de óbito diz: edema cerebral a esclarecer. Esmeraldina Carvalho Cunha, que denunciou incessantemente a morte da filha como conseqüência das torturas, foi encontrada morta em sua casa, cerca de um ano depois. A hipótese de suicídio foi contestada. (Fonte: https://estoriasdeantigamente.blogspot.com/)
A história de Esmeraldina é um lembrete doloroso das consequências da impunidade. A anistia de 1979, concedida durante a redemocratização do Brasil, permitiu o retorno de exilados e libertou presos políticos, mas também impediu a responsabilização de agentes do Estado por crimes graves.
Hoje, o país enfrenta um novo debate sobre anistia, desta vez para aqueles que atentaram contra a democracia entre 2022 e 2023. O ex-presidente Jair Bolsonaro e vários generais estão sob investigação por sua suposta participação em uma tentativa de golpe de Estado. Conceder anistia agora seria permitir que a democracia brasileira seja tratada como descartável, dizendo que não há consequências para quem ataca o Estado de Direito.
A anistia proposta para os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 tenta reescrever o sentido da palavra “anistia”. Diferentemente dos perseguidos da ditadura, esses indivíduos não lutavam por liberdade, mas por sua supressão.
A história nos ensina que a impunidade não constrói paz. Conceder anistia a quem tentou destruir a democracia seria virar as costas para a própria democracia. Seria deixar mães como Esmeraldina sozinhas em sua luta por justiça, enquanto os novos algozes saem ilesos pela porta da frente.
Defender a responsabilização dos golpistas não é um ato de vingança, é um ato de proteção. Proteção ao voto, à Constituição, à liberdade de todos. A democracia é um sistema que exige vigilância constante. E quando ela é atacada, a resposta precisa ser firme.
Dez razões para dizer “Anistia, jamais”
- Impunidade incentiva novos ataques: Perdoar crimes graves sem punição encoraja futuras tentativas de subversão da ordem democrática.
- Desrespeito às vítimas: Anistiar os culpados ignora o sofrimento das vítimas e de suas famílias, perpetuando a injustiça.
- Erosão da confiança nas instituições: A falta de responsabilização mina a credibilidade das instituições democráticas.
- Precedente perigoso: Estabelece que crimes contra a democracia podem ser cometidos sem consequências.
- Desigualdade perante a lei: Anistiar figuras poderosas enquanto cidadãos comuns são punidos por crimes menores demonstra parcialidade.
- Desestímulo à participação cívica: A sensação de impunidade pode desmotivar a população a se engajar politicamente.
- Comprometimento da memória histórica: Perdoar crimes graves distorce a narrativa histórica e impede o aprendizado com os erros do passado.
- Fragilização do Estado de Direito: A anistia pode ser vista como uma concessão que enfraquece a autoridade das leis.
- Incentivo à polarização: Decisões que favorecem determinados grupos podem aprofundar divisões sociais e políticas.
- Obstáculo à reconciliação nacional: A verdadeira reconciliação exige reconhecimento dos erros e justiça, não esquecimento.
A democracia brasileira não pode se dar ao luxo de repetir os erros do passado. A anistia para aqueles que atentaram contra o Estado de Direito entre 2022 e 2023 seria um retrocesso inaceitável. É imperativo que a justiça prevaleça, garantindo que tais crimes não fiquem impunes e que a democracia seja preservada para as futuras gerações.