GRUPO DE PESQUISAS INTEGRADAS EM DESENVOLVIMENTO SOCIOTERRITORIAL

A cultura do cancelamento e a fragmentação do ser social na UFCG

Foto de Prof. Dr. Xisto Souza Júnior
Prof. Dr. Xisto Souza Júnior

Geógrafo e professor de Geografia da UAG/CH

Na UFCG, a cultura do cancelamento extrapola o ambiente virtual e se manifesta nas estruturas institucionais, comprometendo o debate democrático, perpetuando grupos no poder e ameaçando o espírito coletivo da universidade.

Campina Grande, 19 de abril de 2025: A cultura do cancelamento, frequentemente associada às redes sociais, não se limita ao ambiente virtual. No contexto da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), essa prática tem ganhado contornos institucionais preocupantes, especialmente no interior das unidades acadêmicas, que, na prática, operam como departamentos fragmentados por alianças de grupos e disputas internas que se perpetuam ao longo do tempo.

No lugar do debate aberto e do diálogo entre divergências legítimas, o que se observa é a aplicação de estratégias de silenciamento simbólico, de exclusão deliberada e de deslegitimação da diferença. Professores, técnicos e até estudantes que expressam posições críticas, que divergem de diretrizes dominantes ou que se recusam a aderir a determinadas alianças internas, muitas vezes são marginalizados, perdendo espaço em comissões, projetos e instâncias decisórias. O cancelamento institucional se impõe não pela denúncia pública, mas pela invisibilização estrutural.

Essa cultura tem colaborado diretamente para a manutenção dos mesmos grupos no poder, os quais reproduzem uma lógica de favorecimento de interesses particulares, em detrimento do compromisso com o bem comum e com o papel social mais amplo que se espera da universidade pública. Assim, decisões que deveriam refletir o interesse coletivo passam a atender conveniências pontuais, travando o avanço de políticas inclusivas, de inovação pedagógica e de construção colaborativa de conhecimento.

A fragmentação interna das unidades acadêmicas da UFCG, intensificada por coligações circunstanciais e fidelidades ideológicas, enfraquece a própria noção de universidade enquanto espaço plural, autônomo e democrático. O ambiente torna-se propício ao medo, à autocensura e ao conformismo, minando o engajamento crítico e a livre circulação de ideias — fundamentos essenciais da vida acadêmica.

Nesse sentido, a UFCG espelha, em escala institucional, os efeitos mais nocivos da cultura do cancelamento: a desestruturação das relações interpessoais, a substituição da escuta pela exclusão e o bloqueio das possibilidades de superação dos conflitos por meio da razão dialógica. O espaço público universitário — que deveria ser um laboratório de convivência democrática — transforma-se em terreno de disputas silenciosas, onde os laços de solidariedade e confiança mútua se desgastam progressivamente.

A superação desse quadro não é apenas desejável, mas uma prioridade urgente. A universidade não pode ceder à lógica punitiva, nem operar sob o domínio de microgrupos que instrumentalizam as estruturas institucionais em benefício próprio. É preciso recuperar a ação comunicativa como fundamento da vida universitária, restaurar a legitimidade do contraditório e criar mecanismos efetivos de mediação de conflitos que respeitem a pluralidade e valorizem o diálogo.

Mais do que uma crítica, esse diagnóstico aponta para a necessidade de reconstrução: reconstrução do espírito público da universidade, da confiança entre seus membros e do compromisso com a formação ética, crítica e cidadã. Enfrentar a cultura do cancelamento na UFCG é, acima de tudo, um passo necessário para fortalecer sua identidade institucional e seu papel transformador na sociedade.

Se este texto, de alguma forma, representou o seu sentimento no local de trabalho, saiba que existem formas de agir para mudar a situação. O primeiro passo é reconhecer que, apesar de o termo “cancelamento” não estar ainda tipificado nas leis brasileiras, as suas manifestações — como exclusão deliberada, humilhação, difamação ou assédio moral — são protegidas por diferentes dispositivos legais.

A Constituição Federal assegura a dignidade da pessoa humana e o direito à imagem e à honra; a CLT garante a proteção contra condutas abusivas no ambiente profissional; o Código Civil permite reparações por danos morais; e o Código Penal pune crimes contra a honra. Além disso, a LGPD impede o uso indevido de informações pessoais.

O silêncio, muitas vezes, fortalece o ciclo da exclusão. Mas o conhecimento dos direitos é uma ferramenta poderosa para restabelecer a justiça e a saúde nas relações profissionais. Não se cale — agir é também um ato de reconstrução pessoal e coletiva.

Diante disso, quem se sente vítima dessa cultura no ambiente de trabalho — inclusive em instituições públicas como a UFCG — pode e deve reunir evidências, buscar apoio institucional (RH, ouvidoria, comissões de ética ou sindicatos), e, se necessário, recorrer ao Judiciário para interromper práticas lesivas à sua dignidade.

* professor do Centro de Humanidades, Dr. em Geografia

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